quinta-feira, 16 de julho de 2009

O celular e o pensamento

Um celular não é apenas um telefone. Ele infiltra-se de modo espantoso nos costumes e na etiqueta e adere como fita isolante a todos os contatos das pessoas com o mundo. Ele isola ao mesmo tempo em que conecta, com um gesto. Celular não se assusta diante de parede, porta, trânsito. No dia a dia, só mesmo o metrô e alguns elevadores calam nossos celulares. Esse estado de permanente disponibilidade para os outros pode afetar não só a estruturação da intimidade como também a expressividade. Gostaria de ser capaz de descrever a diferença entre o homem pré-telefone, o do telefone fixo e o homem atual, dominado pelo celular. Permita-me divagar um pouco. O exercício de esperar -algo essencial para que se institua o espaço do pensamento- é afetado pelo aparelho. Enquanto esperamos, fantasiamos e pensamos. Quando sentimos falta de uma pessoa, surge a centelha que dá espaço para o imaginário. Tendo tudo a tempo, não pensamos. Esperar põe em contato o que se percebe e a memória e é o passo inicial para um dos primeiros "insights" da vida: saber se algo é conhecido ou não. Ao lançar mão da memória, avaliamos se o percebido é agradável ou desagradável. Daí, nossa mente pode escolher entre certo e errado. Sempre comparando. Diante de uma falta, comparamos se é igual ou parecido com o que desejamos. Queremos nos aproximar ou nos afastar? Enquanto isso... Toca o celular. E o do vizinho toca. Não há mais silêncio. O sistema nervoso deixa de ter espaço/tempo para perceber, querer, rejeitar. A quantidade de interrupções que nos atingem neste mundo tecnológico é maior do que a nossa mente aguenta sem ter que parar de pensar. Estamos sós, e tão mais sós quanto mais densa é essa conectividade toda. À mercê de uma interrupção provável, paralisamos desde já. Antigamente, estávamos conectados durante a aula, o trabalho, nos momentos de perigo. Depois, nossa mente tinha folga para elaborar. Agora, tudo se sobrepõe à eterna possibilidade de sermos encontrados, e nossa elaboração, essência do humano, vai minguando. Por outro lado, para quem telefona, o celular traz facilidades. Será que as crianças já chegaram? Por que o encanador não veio? Vou me atrasar. Será que tem hora no cabeleireiro? É exatamente essa duplicidade de nossa relação com o aparelho que nos deixa cada vez com menos tempo de esperar. É tudo instantâneo. O encanador pega seu celular e avisa que não vai. Se a faxineira não vem, avisa. Todos nos acham e não temos que pensar. Com celular e controle remoto, eis-nos mergulhados no universo do instantâneo. Quanto mais instantâneo, mais contatos podemos ter em um menor espaço de tempo. Está decretado o fim de uma palavra que só existe em português: saudade. Saudade como, se não nos falta nada nem ninguém? Tudo está ali no celular, ao alcance de uns toques...

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