sexta-feira, 3 de julho de 2009

Clássicos

"Um clássico é um clássico", como afirma o poeta Ezra Pound, "não porque se conforme a certas regras estruturais ou se enquadre em certas definições (das quais o seu autor provavelmente nunca ouviu falar), mas porque possui certo eterno e irreprimível frescor". É clássica a obra que permanece sempre nova.No caso da filosofia, isso ocorre quando, independentemente de concordarmos ou não com as teses defendidas por uma obra, ela nos solicita a questionar e a pensar de modo mais claro e mais profundo aquilo que realmente pensamos.É assim que podemos, à primeira vista, não concordar em nada com "A República", de Platão, ou com "Ser e Tempo", de Heidegger, por exemplo; entretanto, durante e após a leitura de tais livros, temos que mudar nosso modo de pensar. Nenhuma paráfrase, explicação ou interpretação de semelhantes obras jamais seria capaz de substituir a leitura delas. Além disso, é a partir de semelhantes leituras que sabemos o que é ou o que deve ser a filosofia.É claro que, quando consideramos determinado problema filosófico hoje, devemos conhecer o "status quaestionis", isto é, o estado em que se encontra a discussão sobre esse problema, e isso significa que é preciso saber o que pensam sobre ele os nossos contemporâneos. Estes, ademais, exatamente por serem nossos contemporâneos, são capazes de levar em conta certas preocupações que só se tenham manifestado ou tornado prementes exatamente na nossa época.Há obsessão dos brasileiros pelos contemporâneos. Observo que ela chega ao ponto de ter como contrapartida o desprezo pelos clássicos.Essa obsessão pelos contemporâneos corresponde, é claro, ao desejo de superação do provincianismo. Sentido-se "atrasados", os brasileiros se esforçam por se livrar do passado, de modo a alcançar o tempo presente, que imaginam pertencer aos outros. Em tal esforço, dado que a tradição filosófica lhes parece pertencer ao passado, os brasileiros a alienam. É assim que perdem a posse direta dos clássicos que, por direito, é tanto deles quanto de qualquer outro povo contemporâneo. Fugindo do provincianismo espacial, caem no provincianismo temporal.Falo em algo considerado conservador também por outra razão. É que a referência que nele faço às "bobagens ou trivialidades que são cotidianamente escritas sobre Nietzsche por alguns dos seus fãs" foi tida como um ataque a Nietzsche. O autor de "Genealogia da Moral" soa com a crítica que tb vale a certas teses de Foucault, houve quem pensasse detectar uma mudança para o conservadorismo na minha orientação filosófica, sintetizada do seguinte modo: "Antes Nietzsche e Foucault; agora Hegel e Aristóteles". Na verdade, nem sou discípulo dos primeiros nem sou agora dos segundos; além do que há dúvidas sobre se os segundos são mais conservadores do que os primeiros. SobreFocault, mas minha ciritca eh sobre o relativismo cultural com o qual racionalizou essa defesa.Quanto a Nietzsche, longe de atacá-lo, cheguei a emulá-lo. No ensaio "Sobre o Uso e o Abuso da História para a Vida", ele mesmo acusa os seus contemporâneos de "adaptarem o passado às trivialidades contemporâneas".É o que penso que alguns dos meus contemporâneos fazem com o próprio Nietzsche. Este, aliás, não tinha admiração nenhuma pelos seus contemporâneos, de modo que se considerava, sobretudo, extemporâneo. "Ao procurar biografias", aconselhava ele, "não queiram as que tragam o refrão "Fulano de Tal e o seu tempo", mas as que na página de título tenham que dizer "Um lutador contra o seu tempo'".

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